
Psicanálise: Compreenda a Profundidade da Mente Humana
22 de setembro de 2024AMAR A SI MESMO É O COMEÇO, MAS AMAR O OUTRO COMPLETA A SUA HISTÓRIA.
PORQUE AMAR A SI MESMO NÃO SUBSTITUI O AMOR PELO OUTRO
Já se perguntou por que, mesmo amando a si mesmo, às vezes sentimos um vazio? Ou por que alguns relacionamentos, apesar de todo o amor-próprio, não conseguimos nos conectar com o outro?
Nos últimos tempos, a ideia de “amor-próprio” tem se tornado um conceito central de discussões sobre saúde mental e bem-estar. Redes sociais, livros de autoajuda e especialistas no assunto têm reforçado a importância de cultivar o amor por si mesmo para alcançar uma vida equilibrada e feliz, como algo fundamental. Embora o amor-próprio seja, sem dúvida, essencial para a construção pessoal, ele não pode substituir o amor que recebemos do outro. Essas duas formas de amor são complementares, e ambas são necessárias para vivermos de maneira mais integrada e satisfatória.
O Amor-próprio: um ponto de partida
Sim, quando nos amamos, nos sentimos mais confiantes para lidar com os desafios que a vida nos apresenta. O amor-próprio é fundamental para a construção da nossa identidade e autoestima, favorecendo a aceitação de si mesmo ao reconhecer nosso valor intrínseco, a autorregulação emocional e a autoconfiança necessárias na relação com o mundo, e funciona como uma base para direcionar seu amor ao outro de maneira mais saudável, estabelecendo relações interpessoais mais significativas.
De acordo com Neff (2011), o amor-próprio envolve a maneira como nos vemos, como tratamos a nós mesmos e como nos cuidamos, física, mental e emocionalmente, e nos dá sustentação para estabelecer limites saudáveis nas relações, influenciar positivamente a nossa comunicação e tomar decisões assertivas na nossa vida. Embora o amor-próprio nos forneça uma base sólida, ele tem seus limites. Uma vida vivida exclusivamente em amor-próprio pode levar ao narcisismo, ao isolamento e à solidão. A interação com o outro é uma fonte inesgotável de aprendizado e crescimento. Ao amar o outro, desenvolvemos habilidades como a compaixão, a paciência e a tolerância (Gilligan, 1982).
O amor pelo outro: a força que nos conecta
Apesar de sermos seres individuais, a necessidade de conexão é inerente à natureza humana. Desde o nascimento, os vínculos afetivos são fundamentais para o nosso desenvolvimento emocional. Buscamos o contato com outras pessoas, para obter afeto, segurança e pertencimento. Ao direcionar afeto para o outro, experimentamos emoções como, por exemplo, empatia, tolerância, compaixão e gratidão, o que contribui para a nossa saúde mental. Essas emoções nos conectam com as pessoas e nos fazem sentir parte de algo maior. Além disso, os relacionamentos interpessoais nos proporcionam oportunidades de crescimento e aprendizado. O amor pelo outro nos desafia a sair de nós mesmos e considerar as necessidades, desejos e sentimentos da outra pessoa. Esta interdependência é essencial para o crescimento emocional e psicológico. Quando nos relacionamos de maneira genuína, somos levados a lidar com aspectos pessoais que, de outra forma, poderiam permanecer ocultos. O outro funciona como um espelho, no qual podemos ver refletidos aspectos de nós mesmos que talvez não enxergássemos sozinhos. Esse processo de autoconhecimento mediado pelo outro é essencial para o desenvolvimento de uma identidade mais madura e equilibrada.
O Equilíbrio Necessário
Constantemente nos deparamos com mídias nas redes sociais enfatizando o amor-próprio como se fosse uma substituição à falta do amor compartilhado, na tentativa de eliminar esse vazio que sentimos quando o outro vai embora. Amar a si mesmo não é o oposto de amar o outro. Na verdade, eles se complementam. O amor-próprio nos dá a força e a resiliência necessárias para enfrentar os desafios da vida, enquanto o amor pelo outro nos enriquece com experiências que só podem ser vividas através da conexão interpessoal.
O amor-próprio, ligado ao contentamento, a autocompaixão, e a aceitação de aspectos que não gostamos, deve sustentar as angústias que surgem das faltas em nossa vida, e não substituir o afeto pelo outro com o intuito de eliminar esse vazio. A saída para uma vida emocionalmente saudável não é escolher entre o amor-próprio e o amor pelo outro, mas sim encontrar um equilíbrio entre ambos. É importante ressaltar que a busca por um amor perfeito e completo é uma ilusão. Como dizia Winnicott (1965), o bebê, ao nascer, experimenta a frustração da falta, a ausência da mãe. Essa experiência inicial pode nos ensinar a lidar com a frustração e a aceitar que a vida é feita de perdas e ganhos.
O amor-próprio é um ponto de partida necessário para desenvolver a capacidade de amar ao outro. No entanto, se não for transcendido, impede o amor verdadeiro. Se for excessivo, pode levar ao egoísmo e ao narcisismo, impedindo a verdadeira conexão com a outra pessoa. O equilíbrio entre o amor-próprio e o amor ao próximo é um processo contínuo, marcado por altos e baixos. Como afirmava Freud, o ser humano é movido por desejos e pulsões que entram em conflito constantemente. A busca por esse equilíbrio é como navegar em um mar agitado, onde as tempestades são inevitáveis. Aprender a lidar com as frustrações e as perdas faz parte dessa jornada.
Quando amamos a nós mesmos, estamos mais preparados para amar os outros de forma genuína e saudável. E quando amamos os outros, ampliamos nossa capacidade de amar a nós mesmos. É um ciclo. Encontrar o equilíbrio entre o amor-próprio e o amor pelo outro é fundamental para uma vida evolutiva. O processo terapêutico pode ajudá-lo na compreensão destes processos e como você funciona, olhando para suas características pessoais e honrando suas histórias vividas, entender o momento o qual está passando e assim construir um futuro com mais bem-estar, atendendo seus desejos e expectativas.
Referências
- Bowlby, J. (1988). Uma Base Segura: Aplicações Clínicas da Teoria do Apego. Artes Médicas.
- Freud, Sigmund (1917-1920). Obras completas volume 14: “O homem dos lobos” e outros textos Capa dura – 19 março 2010. Editora Companhia das Letras.
- Fromm, E. (1956). A Arte de Amar. Editora Martins Fontes.
- Gilligan, C. (1982). Uma Voz Diferente: Psicologia da Diferença entre Homens e Mulheres na Sociedade Contemporânea. Editora Rosa dos Tempos.
- Horney, K. (1950). Neurose e Desenvolvimento Humano: A Luta pela Auto-Realização. Editora Martins Fontes.
- Mitchell, S. A. (2000). Relacionalidade: Da Teoria do Apego à Intersubjetividade. Casa do Psicólogo.
- Neff, K. D. (2011). Auto-Compaixão: Pare de se Martirizar e Deixe a Insegurança para Trás. Lua de Papel.
- Winnicott, D. W. (1965). Processos de Maturação e o Ambiente Facilitador: Estudos na Teoria do Desenvolvimento Emocional. Artmed.